Movimentos sociais criticam ministro do MDA
Aliados históricos do PT, os movimentos sociais do campo estão em pé de guerra com a condução da reforma agrária no governo Dilma Rousseff. E colocaram na berlinda a gestão do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) pelo deputado federal baiano Afonso Florence, afilhado político do governador Jaques Wagner (PT).
Organizações influentes como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil) apontam lentidão, burocracia, insuficiência de recursos, foco equivocado na política de crédito, desmonte do MDA e problemas de gestão como os mais graves erros do governo Dilma na área.
Nenhum decreto de desapropriação de terras para a reforma agrária, por exemplo, foi assinado em mais de dez meses do atual governo. "Em relação ao MDA, as coisas andam devagar. A reforma agrária, temos negociado, mas não temos avançado. Não tivemos nenhuma desapropriação neste ano. Tivemos 12 assassinados no campo neste ano, mas a questão central do conflito não tem sido resolvida", critica o presidente da Contag, Alberto Broch.
O orçamento do Incra, que opera a política de reforma agrária, prevê em 2012 mais recursos para o pagamento de precatórios e indenizações atrasadas (R$ 649 milhões) do que para a ação de obtenção de terras (R$ 601 milhões). "Houve um desmonte no MDA, mas já são dez meses de governo e está muito aquém de atender as necessidades", diz a coordenadora nacional do MST, Débora Nunes. "A gente avalia o ministro e o ministério não conseguiram dar resposta até agora. Há uma descontentamento generalizado com relação ao time que está aí".
A relação entre os movimentos do campo e o ministério é tensa. Algumas organizações, como o MST, têm buscado auxílio direto no Palácio do Planalto, com o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), como forma de acelerar o atendimento de suas demandas. "Se o MDA não se impõe, o espaço vazio fica. Se o ministro não avança, a gente procura outro", afirma o deputado estadual gaúcho Altemir Tortelli (PT), membro do conselho político da Fetraf-Brasil. "Quando o [Miguel] Rossetto [ex-ministro de Lula] não conseguia, a gente procurava o Zé Dirceu. Se esperar sentado, e não der "peitada", não abre as portas. Se o santo não resolve, a gente pede pro anjo falar com Deus".
O ministro Afonso Florence defende o governo, sua gestão e a correção das ações políticas. Diz ter evitado o bloqueio de R$ 530 milhões do MDA, liberado os recursos diretamente com a presidente Dilma e obtido um adicional de R$ 400 milhões para o ministério. "Os movimentos têm mesmo que querer que se publique [os decretos de desapropriação]", disse o ministro ao Valor. "Mas nosso dever é aperfeiçoar a reforma agrária. Estamos passando pelo critério da presidente. Em três safras, essa família sairá dessa faixa [extrema pobreza]".
Florence afirma, ainda, ter reduzido as taxas de juros de vários programas do Plano Safra 2011/2012, criado uma política exclusiva de garantia de preços (PGPM) e ampliado as compras diretas da agricultura familiar (PAA). "É importante que eles cobrem. Não vou desmontar os argumentos dos movimentos. Mas o que foi acordado e anunciado teve a participação deles", afirmou. "Também não sou de subtrair prerrogativas de meus colegas". Ele disse, ainda, que o programa Brasil sem Miséria tem avançado "dentro do prazo" em sua área. "Estamos até antecipando o calendário", afirmou.
Alberto Broch, da Contag, diz que o problema está no governo "em geral", mas que as políticas agrícolas do MDA precisam "chegar no campo", o que não tem ocorrido, segundo ele. "O PAA, que é excelente, ainda tem muita burocracia. Os Territórios da Cidadania está truncado e os projetos que a gente discutia na macropolítica do governo para o campo estão paralisados", sustenta.
A coordenadora nacional do MST, Débora Nunes, admite ser um "período curto" para avaliar, mas afirma que a reforma agrária "continua perdendo espaço" no governo. "Nenhum decreto de desapropriação foi assinado neste governo. É preciso olhar para os assentamentos, mas também pela dívida social, ter a reforma agrária como algo estratégico". Para ela, a concentração de terra continua. "Só desenvolver assentamentos não resolve. Tem 60 mil famílias acampadas só do MST. O Incra tem mais 186 mil. Mas o público potencial é de 4 milhões de pessoas, segundo o IBGE"
A coordenadora-geral da Fetraf-Brasil, Elisângela Araújo, diz que esperava um avanço no governo Dilma. "Mas ainda não conseguimos ver até agora. Não nos sentimos contemplados nas expectativas. Temos demandado mais, mas não avançamos", critica. A dirigente da Fetraf diz que a reforma agrária "tem ficado na periferia" do governo. "O debate não está no centro do governo, é uma visão de desenvolvimento que não leva em conta esse segmento. O MDA tem volume de ações grande, mas não tem tido força política de bancar isso no centro de governo". E completa: "Tem uma disputa com o agronegócio, que leva tudo, e a agricultura familiar, que está na periferia"
Fonte: www.valor.com.br